10.5.24

E OS NOSSOS CULTOS, COMO ESTÃO?

Eu cresci em uma igreja Batista em que o culto era tido como “tradicional”. O que isso significa? Que era uma igreja em que a celebração seguia um certo rito considerado “formal”, ou seja, havia o coral (inclusive eu participava), o piano/órgão como instrumento padrão para os hinos congregacionais (Cantor Cristão ou HCC), com a regência do ministro de música da igreja. A liturgia era pensada a partir de uma lógica, com início, meio e fim e não havia nada desconectado no culto. Os hinos, os cânticos, a leitura bíblica e o sermão, estavam todos alinhados com o tema do culto. Não se cantava sobre a graça de Deus e o pastor pregava sobre Davi e Golias. Isso não acontecia de maneira nenhuma. É claro que havia momentos de entusiasmo e isso ficava no período dos cânticos espirituais (os louvores), mas dentro de uma mesma dinâmica litúrgica. Tenho saudade e boas lembranças desse tempo. Fui feliz e servi ao Senhor na comunidade de fé, a qual reconheceu em mim o chamado para o ministério pastoral, encaminhou para a faculdade teológica, custeou o curso e, depois de concluído o curso, também ordenou ao pastorado.

O tempo passou e algumas coisas mudaram e as igrejas, de um modo geral, acompanharam esse movimento. Até porque, ela vive dentro de uma cultura e segue as tendências que a cultura, de certa maneira, impõe através de uma série de fatores: mídias, redes sociais, moda, personalidades.

Minha provocação com esse texto é o quanto as igrejas Batistas mudaram suas liturgias e alguns itens que outrora faziam parte, passaram a não fazer mais por conta das tendências.

Dentro dessa dinâmica que conhecemos bem, parece que, no percurso, fomos perdendo algumas características que nos definiam enquanto igreja evangélica no Brasil de tradição protestante com um recorte bem específico dentro do protestantismo histórico, portanto, Batista. Os batistas são um recorte dentro do protestantismo de origem inglesa; um recorte dentro do conjunto denominacional protestante norte-americano; um recorte dentro da chamada igreja evangélica brasileira; um recorte dentro das igrejas históricas protestantes no Brasil. Com isso, temos uma “certa” identidade que segue um “certo” segmento no protestantismo que leva o nome de Batista.

Com as mudanças no campo evangélico brasileiro, as diferentes identidades das igrejas foram embaralhadas. Não dá tempo expor isso aqui, mas a cultura gospel de consumo ajudou muito nesse processo. As igrejas se apropriaram do conceito de business e isso não tem data para acabar.

O que estamos vendo é um amalgama de igrejas fazendo a mesma coisa em termos de estrutura física; cantando as mesmas músicas; os pregadores pregando os mesmos temas. E ainda assim, seguem dizendo aos quatro cantos que são diferentes dos seus vizinhos.

O que diferencia uma Igreja Batista de uma Church? Entendendo que o nome “church” não é apenas uma “americanização” do termo “igreja”, antes é um estilo de culto, de pregação, de espaço físico, de ênfase teológica (quando tem uma). Há igrejas Batistas que adotaram em seus templos e slogans o termo “church” como uma maneira de sinalizar que estão antenadas ao “novo momento”.

Com isso, igrejas Batistas não estão se diferenciado de igrejas tidas como independentes que atuam no campo neopentecostal, por exemplo.

São igrejas que não há mais uma liturgia definida (que não precisa ser, necessariamente aquela que coloquei no início desse texto sobre a igreja que cresci). O que não tem em termos litúrgicos? Não tem, principalmente, um propósito teológico com a celebração. Assim, o culto é tido como um show; o pastor como um coach; a igreja como uma church; as pessoas se veem em um meeting. O pastor não usa Bíblia, antes ele faz questão de pregar com o seu macbook; não há oração formal com a igreja; não há leitura bíblica em comunidade; os cânticos são voltados para as demandas pessoais dos presentes; e os momentos intimistas são carregados de mensagens melódicas e adocicadas. E quando são questionados sobre essa modalidade litúrgica, respondem prontamente de que a igreja mudou para acompanhar as novas tendências do momento. E isso é tido como sinal de “espiritualidade”.

É uma discussão que gera controvérsias, eu sei. Mas o que vejo é uma falta de equilíbrio, de sensibilidade, de conhecimento da tradição (não tradicionalismo), do conteúdo bíblico-teológico e, até mesmo, de inteligência, em alguns casos.

Celebração em que a comunidade não tem teologia saudável, qualquer coisa é assimilada.

Na tradição protestante, a liturgia é tida como um dos pilares da presença da igreja no mundo. Aliás, a palavra liturgia é de origem grega e significa serviço para o povo. O momento de celebração é a oportunidade que a igreja tem para sinalizar a obra e mensagem de Jesus, além de deixar bem claro que as estruturas desse mundo são pecaminosas e que somente pela mensagem da cruz de Cristo e na esperança da ressurreição, as coisas terão o seu desfecho dentro da perspectiva divina. Não dá para flertar com isso. A igreja não pode abdicar de ser uma comunidade que entende o seu papel no mundo e celebra, por antecipação, o futuro de Deus.

Na minha experiência como pastor de uma comunidade que, ao longo dos anos, alterou a sua liturgia, alguns itens do culto são indispensáveis, quais sejam: a Bíblia lida de maneira comunitária e pregada expositivamente; os cânticos apurados teologicamente; a primeira oração pública é de adoração, aquela que coloca Deus no seu devido lugar. A tradição batista é lembrada a partir de cânticos que fizeram parte da história da denominação. A celebração é alegre, festiva, mas também trinitária. Há espaço para mudanças, mas não sem levar em consideração a teologia do culto, em primeiro lugar, a tradição batista e a leitura crítica da cultura brasileira.