
É claro que a grande maioria daqueles que fazem
a pergunta, desconhecem o uso político dos termos “esquerda” e “direita”.
Quando perguntados o porquê dessa referência aos dois distintos aspectos da política,
muitos não sabem responder. Ignoram o uso dos termos que tem a sua origem na
Revolução Francesa, de 1789, quando os liberais girondinos e os extremistas
jacobinos sentaram-se respectivamente à direita e à esquerda no salão da
Assembleia Nacional. Os direitistas pregavam uma revolução liberal, a abolição
dos privilégios da nobreza e estabeleceram o direito de igualdade perante a
lei. Os esquerdistas também defendiam o fim dos privilégios para a nobreza e o clero,
mas eram favoráveis a um regime centralizador (Estado). Daí decorre toda uma
discussão política que tem, naturalmente, diferentes intérpretes e os conceitos
“direita” e “esquerda” foi sofrendo ênfases distintas.
Ocorre que em relação aos pastores, a pergunta
se é de “direita” ou de “esquerda” está associada ao atual momento do país de
profunda polarização política. Esse processo foi intensificado quando no impeachment de Dilma Rousseff em 2016,
passando pelas Eleições 2018, elegendo assim um candidato considerado de
“extrema-direita”. A pergunta, portanto, vem enviesada de outras questões que
envolve a defesa ou não de políticos considerados corruptos pelos sistema
judiciário ou se, por tabela, apoia de maneira restrita o atual governo. Assim,
antes de serem pastores, no seu sentido lato, o posicionamento político, se de “direita” ou de “esquerda”,
conta e muito, num primeiro momento, para algumas pessoas em relação aos
pastores.
É dentro desse contexto de convulsão quanto aos
termos “direita” ou “esquerda”, e a ineficiência quanto ao real sentido
político que esses dois aspectos representam, que os pastores estão inseridos.
Parece ser um consenso que esses dois termos se transformaram em outra coisa,
não mais conceitos restritos ao campo da civilidade do debate político, antes
são dois conceitos contaminados pela desinformação e alimentados por inúmeras
idiossincrasias, usados para rotular as pessoas e sua conduta ética.
Já ouvi o relato de um pastor que teve o seu
sermão interrompido porque falava sobre a caminhada de Jesus com os pobres do seu
tempo. Sim, a pessoa se levantou e disse que aquilo que ele estava falando era
“coisa da esquerda”. Não apenas isso, já soube de colegas que foram chamados
pela liderança da sua igreja porque, em algum momento, no seu sermão, a
liderança entendeu que seu posicionamento político não estava muito claro e que
ele deveria se posicionar de maneira mais contundente à “direita”. O referido
pastor respeitou o púlpito da sua igreja e, ainda assim, foi cobrado pela
liderança que entendia que ele deveria tomar uma posição mais clara quanto à
tenência política daquela igreja. Soube também de um colega que foi chamado por
um líder da sua região para conversar sobre suas postagens em redes sociais que
tenderia para a “esquerda”. Por incrível que pareça, já existem igrejas que
estão investigando as redes sociais de futuros candidatos ao ministério
pastoral da igreja. Dependendo do que o pastor posta no Facebook, Instagram ou
no Twitter, o seu nome é considerado ou não. Não se observa tanto a vida do
pastor e seu perfil de ministério, sua formação teológica e ética, mas sim o
seu posicionamento político, se de “direita” ou de “esquerda”. Nesse sentido
então, o pastor não pode nem mesmo expressar a sua opinião como cidadão, ele
fica refém de uma igreja em que seus membros julgam que haja um pensamento
político-partidário hegemônico e que, portanto, não aceita contrariedade, e
quando há alguma, tem algo errado, não com a igreja, mas com o referido pastor.
Em uma Igreja Batista o princípio da liberdade
de consciência e opinião é uma marca da gênese da igreja. Assim, o pastor
precisa blindar o púlpito da igreja que é pastor quanto ao seu posicionamento
político, ou seja, o princípio da liberdade de consciência e opinião não dá a
ele o direito de tutelar politicamente a igreja, antes a sua maior preocupação
é apresentar o Evangelho de Jesus e a graça redentora de Deus. Infelizmente
isso mudou drasticamente nas Eleições de 2018. Ainda assim, a maneira como o
pastor apresenta o Evangelho do Nazareno e a graça abundante de Deus, ele é
logo enquadrado em um determinado campo político, quer de “direita” ou de
“esquerda”. Se ele valoriza sermões em que Deus vence as batalhas, portanto, é
um “Deus” da defesa, ele é visto como a favor do armamento da população. Com
isso ele está dentro do campo da “direita” politicamente. Caso o pastor foque
na caminhada pobre do povo de Israel e de como os profetas combateram e
denunciaram os desmandos dos reis, prontamente ele é colocado dentro do campo
da “esquerda” politicamente. Parece que não se trata mais de Bíblia, mas como
se ler a Bíblia para a comunidade, uma Bíblia de “direita” e outra de
“esquerda”.
No Dia do Pastor, os pastores não deveriam ser tabelados
como de “direita” ou de “esquerda” no primeiro momento, mas sim como pastores,
apenas isso, pastores. Ou seja, pessoas que Deus chamou, vocacionou e preparou
para pastorear, cuidar de pessoas.
Nesse dia, destaco dois pastores para reforçar o comprometimento com uma pessoa, Jesus.
Dietrich Bonhoeffer (1906-1945) – foi um pastor
luterano, um professor universitário com doutorado em teologia, um pioneiro do
movimento ecumênico, um escritor prolífico, um poeta e uma figura central na
luta contra o regime nazista. Em 1939, Bonhoeffer se aproximou de
um grupo de resistência e conspiração contra Hitler. A
sua atividade para ajudar um grupo de judeus a fugir da Alemanha levou
à sua prisão em abril de 1943. Depois de uma tentativa fracassada de atentado
contra Hitler no
dia 20 de julho de 1944, Bonhoeffer foi transferido para a
prisão de Berlim, depois para o campo de concentração de Buchenwald e,
por fim, para o de Flossenbürg, onde foi enforcado.
Martin Luther King Jr. (1929-1968) – foi um
pastor batista que lutou contra a segregação racial nos Estados Unidos,
garantindo direitos civis para negros, assim como os brancos já usufruíam. Foi
assassinado em abril de 1968 em Memphis (Tennessee). Estava na cidade para apoiar
a greve de trabalhadores negros da limpeza urbana. Em 3 de abril, pronunciou um
dos seus discursos mais famosos: “Eu estava no topo da montanha”, quase uma
profecia, na qual disse que, como Moisés, tinha visto a terra prometida
do Monte Nebo,
mas nela não tinha podido entrar, talvez ele também não entraria.
Esses pastores são testemunhas de que não há
posicionamento político que impeça de tornar o Evangelho de Jesus Cristo a
esperança para a sociedade e seus dilemas. Seja em um regime totalitário como
foi o nazismo (Bonhoeffer);
seja lutando contra a segregação racial (Luther King).
Pastor, ainda que tenha a sua direção política,
está comprometido com uma pessoa, Jesus! À ele dedica a sua vida e procura
seguir os seus passos por meio de uma espiritualidade do seguimento. As marcas
do Reino de Deus que ele deixou, devem ser as mesmas que o pastor precisa
perseguir.
No Dia do Pastor, não é o seu posicionamento
político de “direita” ou de “esquerda” que deveria defini-lo, mas sim o seu
compromisso com aquele que andou pela terra “fazendo o bem e curando a todos”
(At 10,38).