Mesmo
morosa, a igreja tem demonstrado certas articulações com a sociedade no sentido
de enxergar àqueles que estão fora dela como objeto da ética e da ação pastoral,
mais isso tem ocorrido de forma paulatina e, em alguns casos, quase
imperceptível.
A
incapacidade de ler a realidade da cidade e contribuir para amenizar as suas mazelas,
passa por problemas e conceitos crônicos no âmbito das igrejas evangélicas, a
começar pelo entendimento quanto ao papel do pastor. No caso do protestantismo de missão, o ideal de pastor é entendido a partir do evangelismo conversionista, que apela muito
mais para a conversão individual e não, necessariamente, para a transformação
social. O pastor é o evangelista que
“ganha almas” para Jesus. Além disso, o pastor,
no protestantismo de missão, de modo geral, é o guardião do sistema
denominacional, onde sua figura é central para o bom desempenho das funções
eclesiásticas. Não se desenvolve uma pastoral
a ponto de se comprometer com o contexto. É uma pastoral voltada para a o
templo, para o reduto dos membros que consomem do pastor sua capacidade intelectual, suas habilidades, talentos, dons
e energia.
As igrejas
protestantes históricas têm sérias dificuldades quanto à compreensão do
pastoreio quando entendido fora do indivíduo, ou seja, do pastor. De alguma
maneira há uma excessiva preocupação com o sujeito
pastor, como suas qualificações morais, oratória, credenciais teológicas e
espiritualidade. De maneira nenhuma, essas qualidades devem ser menosprezadas
para o exercício do ministério pastoral, mas é latente a ausência de um modelo
pastoral que vá além do templo. Não é mais concebível neste tempo uma pastoral “preocupada unicamente com a manutenção
de seus membros e programas” (1).

O modelo pastoral de Jesus impõe à comunidade de discípulos uma práxis que não olhe apenas, ou tão somente, para a igreja, mas sim para a cidade. Jesus não vivia nas sinagogas, mas sim nas cidades. Ele vivia no meio das pessoas. Na sai caminhada, ele focou em pessoas. Investiu nelas o seu tempo e energia. Ao mesmo tempo em que fazia isso, Jesus atacou as estruturas religiosas que, ao longo da história, perdeu a capacidade de olhar as necessidades daquela gente.
O pastoreio
de Jesus envolve a sua pessoalidade. Ele se doa ao outro nas suas necessidades
espirituais e materiais. Jesus vive entre o povo. Come e bebe com gente
menosprezada. Ele se assenta com publicanos e compartilha com eles o pão. Jesus
vivia na companhia do povo e sua caminhada foi pelos vilarejos e cidades. Ele
não ficou enclausurado em uma sinagoga, mas viveu a experiência do Abba de forma intensa, procurando
mostrar o rosto humano de Deus àquela gente.
O modelo pastoral de Jesus é baseado em uma práxis que integrava o ser humano à sua
terra, aos seus direitos e ao seu Deus. Esse deve ser o modelo pastoral perseguido pela igreja que quer
ser relevante na sociedade.
Esse é o
desafio, não somente, mas principalmente, às igrejas evangélicas que carrega em sua trajetória uma concepção eclesiocêntrica de pastorear, uma vez que na tradição
protestante o sujeito do pastoreio é o ministro ordenado e não,
necessariamente, os cristãos. Falta ainda fomentação de um entendimento de que
todos são convocad@s por Jesus para o desempenho da missão pastoral não sendo, portanto, a missão de apenas um indivíduo, ou
seja, do pastor da igreja.
A proporção
em que as cidades têm crescido tem sido alvo de intenso debate entre
urbanistas, cientistas sociais e teólogos. É na cidade que se dão os projetos
de vida; é nela que as realidades sociais mostram as suas facetas; é na cidade
que as pessoas procuram sentido em meio aos seus dilemas. A pastoral passando por um processo de desterritorialização
da igreja, ela se volta para o contexto urbano procurando ser elemento
agregador do gênero humano.
A cidade
tem sua dinâmica própria e seu processo contínuo de produção, favorecendo
condições para a desintegração do ser humano em seus aspectos vitais. Temos
como exemplo a própria relação com a natureza, com o outro, com a perspectiva
da vida, o que gera uma série de doenças e psicoses por conta da atividade
frenética estabelecida pelo círculo vicioso de obter-ganhar-consumir-ostentar status.
Diante da
cidade, com todos os problemas que nos sãos conhecidos, a tarefa da pastoral é ser a ação do povo de Deus na cidade
a fim de proporcionar libertação,
tendo como seu sujeito a coletividade, ignorando credo religioso, condição
social e instrução educacional.
A mensagem
do Reino de Deus é integral, não
paliativa.
Algumas
constatações ajudam a entender esse distanciamento em relação a pastoral urbana. As igrejas evangélicas tendem a não fazer uma análise conjuntural da
sua realidade; não visualiza os grandes problemas sociais que as cercam; não
superam o conceito de “verdade” e “racionalidade”; perderam a leitura da Bíblia
por causa da intermediação de doutrinas e de chaves hermenêuticas consideradas
como verdades universais. Esses elementos inviabiliza um projeto de pastoral urbana.
A pastoral urbana se dá a partir do
comprometimento com a sociedade, tornando-a parte dela, deixando de privatizar
a fé para assumir os desafios prementes de uma cidade. Uma igreja que tem como
novidade o Reino de Deus e todas as
implicações disso, não pode olhar apenas para si mesma. A diversidade da
manifestação do Reino de Deus exige a
fomentação de uma pastoral urbana.
A missão da igreja,
portanto, não pode se limitar a proclamar uma mensagem de “salvação da alma”:
sua missão é fazer discípulos que aprendam a obedecer ao Senhor em todas as
circunstâncias da vida diária, tanto no privado como no público [...]. A missão
integral só é possível quando há discípulos que têm visão de conseguir a
influência dos valores do Reino de Deus a todas as esferas da sociedade
(2).
Viver na
cidade e viabilizar a presença da igreja nela é um desafio. Entendendo seu
contexto, apontando soluções pastorais.
Ela pode concretizar ações em sua localidade e seu contexto.
Notas
(1) KOHL,
Manfred W. & BARRO, Antônio Carlos. O papel do pastor na transformação da
sociedade. In: KOHL, Manfred W. & BARRO, Antônio Carlos (Orgs.). Ministério pastoral transformador.
Londrina: Descoberta, 2006, p. 105.
(2) REIS,
Gildásio. C. René Padilla: introdução
à sua vida, obra e teologia. São Paulo: Arte Editorial, 2011, p. 144.