25.2.17

EVANGELHO E ÉTICA SOCIAL: UMA CONTA QUE NÃO FECHA COM OS EVANGÉLICOS NO BRASIL

Quando tomamos conhecimento da morte de inúmeros presos no sistema penitenciário de cidades do Norte do país, presenciamos falas, não somente nas redes sociais, mas também de integrantes desse governo postiço, de que a tragédia estava anunciada e o seu desfecho era algo esperado, portanto, algo que apenas entrava para as estatísticas como números com o fim de gerenciar valores para um sistema que, há muito tempo, vem se mostrando ineficiente. Os “evangélicos”, principalmente esses que escutam e se identificam com os pastores televisivos que, ora estão em Brasília defendendo uma agenda intolerante, ora estão visitando a sede da PF, também foram às redes sociais para expressar suas opiniões. Com isso, demonstraram o que, de fato, vai na “alma” dos evangélicos, ou, pelo menos, em uma parcela deles. 

Não apenas o fatídico episódio envolvendo presos no Norte do país deixou a sociedade brasileira atônita, mas também no Sudeste (Vitória/ES), vimos o caos nas ruas de uma bela cidade por conta da greve de policiais militares. Com a ausência de policiamento, pessoas saquearam o comércio varejista, além dos inúmeros delitos cometidos. Nesse ato, dos saques, há relatos, inclusive com fotos nas redes sociais, de pessoas consideradas de “bem”, carregando eletrodomésticos pelas ruas. Dentre essas pessoas, se comprovou que “evangélicos” estavam envolvidos e, depois de apuradas as imagens dos estabelecimentos comerciais, muitos começaram a devolver o que tinham levado.

Com esses dois incidentes, foi possível perceber, não que isso seja recente, que há um antagonismo entre o discurso e a prática dos “evangélicos”. O discurso, a priori, toma (ou deveria tomar) como ponto de partida a mensagem do evangelho. Nessa mensagem, pelos menos nos Evangelhos que narram a caminhada de Jesus de Nazaré, há elementos de compaixão, de amor, de perdão, de alteridade. A mensagem central de Jesus, o reino de Deus, acolhe o que mais precisa, levanta o desvalido, socorre o doente, visita o preso e alimenta o que tem fome. Em Mateus 25,31-46, por exemplo, os presos são visitados e isso caracteriza o fazer aos pequeninos de Jesus.

Que a relação entre discurso e prática envolvendo a ética do “evangélico” é dicotômica, não é novidade. Há estudos disponíveis que demonstram isso em escala histórica. A ética no “universo evangélico” se concentra em aspectos individuais, dependendo de qual grupo está se referindo. Nesse sentido, há diferentes perspectivas de moralidade em alguns setores do “universo evangélico” que pode ser a negação de certas roupas o ponto central, como também a abstinência de bebida alcoólica, o tabagismo e o sexo antes do matrimônio e a homossexualidade. Essas são as principais bandeiras morais que caracterizam o comprometimento com um certo cristo. Com isso, o discurso ético se dá em perspectiva individual, e o nome disso é ética cristã. A relação com o contexto social é desprovida de uma ética solidária e comprometida. Nesse contexto, é possível uma manifestação de que a justiça divina foi feita em relação aos presos assassinados no Norte do país, demonstrando completa insensibilidade, fruto de uma leitura superficial da realidade social e sua complexidade. Assim, houve “crentes” que entenderam como julgamento escatológico a morte dos presos. Isso demonstra, com tristeza, que o evangelho de Jesus está equidistante de uma leitura de compaixão e justiça, pois muitos entendem que o chavão “bandido bom, é bandido morto” está correto. É claro que os problemas sociais do país são enormes, mas aqui estamos focando em atitudes, principalmente aquelas que foram veiculadas nas redes sociais, de pessoas que se identificam como “evangélicas”. Essas pessoas que assim se expressam, também são as mesmas que entram em lojas para pegar o que não lhe pertence porque, naquele momento, não há “lei”.

Há uma diferença qualitativa entre presença e visibilidade dos “evangélicos” no Brasil. A visibilidade dos “evangélicos” é um fato há algum tempo na sociedade brasileira. A mídia favoreceu o estar visível e as grandes concentrações em estádios e avenidas, fortaleceu a ideia de que os “evangélicos” estão conquistando espaço. Assim, o domínio de alguns setores da economia e da política, são dedicados aos “evangélicos”. 

Quanto à presença dos “evangélicos” no país, no sentido de tornar tangível posturas tolerantes carregadas de misericórdia e justiça, que tenha na alteridade o principal elemento de ação e leitura social, ainda se constitui em processo.