24.6.16

O PASTOREIO DE JESUS E A IGREJA EVANGÉLICA

Mesmo morosa, a igreja tem demonstrado certas articulações com a sociedade no sentido de enxergar àqueles que estão fora dela como objeto da ética e da ação pastoral, mais isso tem ocorrido de forma paulatina e, em alguns casos, quase imperceptível.

A incapacidade de ler a realidade da cidade e contribuir para amenizar as suas mazelas, passa por problemas e conceitos crônicos no âmbito das igrejas evangélicas, a começar pelo entendimento quanto ao papel do pastor. No caso do protestantismo de missão, o ideal de pastor é entendido a partir do evangelismo conversionista, que apela muito mais para a conversão individual e não, necessariamente, para a transformação social. O pastor é o evangelista que “ganha almas” para Jesus. Além disso, o pastor, no protestantismo de missão, de modo geral, é o guardião do sistema denominacional, onde sua figura é central para o bom desempenho das funções eclesiásticas. Não se desenvolve uma pastoral a ponto de se comprometer com o contexto. É uma pastoral voltada para a o templo, para o reduto dos membros que consomem do pastor sua capacidade intelectual, suas habilidades, talentos, dons e energia.

As igrejas protestantes históricas têm sérias dificuldades quanto à compreensão do pastoreio quando entendido fora do indivíduo, ou seja, do pastor. De alguma maneira há uma excessiva preocupação com o sujeito pastor, como suas qualificações morais, oratória, credenciais teológicas e espiritualidade. De maneira nenhuma, essas qualidades devem ser menosprezadas para o exercício do ministério pastoral, mas é latente a ausência de um modelo pastoral que vá além do templo. Não é mais concebível neste tempo uma pastoral “preocupada unicamente com a manutenção de seus membros e programas” (1).

A pastoral urbana tem como modelo o pastoreio de Jesus. Com sua pastoral, Jesus não propôs uma nova religião, mas o Reino de Deus. A ação pastoral de Jesus olhava para as pessoas e nunca para as estruturas como o luxuoso templo de Jerusalém. 

O modelo pastoral de Jesus impõe à comunidade de discípulos uma práxis que não olhe apenas, ou tão somente, para a igreja, mas sim para a cidade. Jesus não vivia nas sinagogas, mas sim nas cidades. Ele vivia no meio das pessoas. Na sai caminhada, ele focou em pessoas. Investiu nelas o seu tempo e energia. Ao mesmo tempo em que fazia isso, Jesus atacou as estruturas religiosas que, ao longo da história, perdeu a capacidade de olhar as necessidades daquela gente.

O pastoreio de Jesus envolve a sua pessoalidade. Ele se doa ao outro nas suas necessidades espirituais e materiais. Jesus vive entre o povo. Come e bebe com gente menosprezada. Ele se assenta com publicanos e compartilha com eles o pão. Jesus vivia na companhia do povo e sua caminhada foi pelos vilarejos e cidades. Ele não ficou enclausurado em uma sinagoga, mas viveu a experiência do Abba de forma intensa, procurando mostrar o rosto humano de Deus àquela gente.

O modelo pastoral de Jesus é baseado em uma práxis que integrava o ser humano à sua terra, aos seus direitos e ao seu Deus. Esse deve ser o modelo pastoral perseguido pela igreja que quer ser relevante na sociedade.

Esse é o desafio, não somente, mas principalmente, às igrejas evangélicas que carrega em sua trajetória uma concepção eclesiocêntrica de pastorear, uma vez que na tradição protestante o sujeito do pastoreio é o ministro ordenado e não, necessariamente, os cristãos. Falta ainda fomentação de um entendimento de que todos são convocad@s por Jesus para o desempenho da missão pastoral não sendo, portanto, a missão de apenas um indivíduo, ou seja, do pastor da igreja.

A proporção em que as cidades têm crescido tem sido alvo de intenso debate entre urbanistas, cientistas sociais e teólogos. É na cidade que se dão os projetos de vida; é nela que as realidades sociais mostram as suas facetas; é na cidade que as pessoas procuram sentido em meio aos seus dilemas. A pastoral passando por um processo de desterritorialização da igreja, ela se volta para o contexto urbano procurando ser elemento agregador do gênero humano.

A cidade tem sua dinâmica própria e seu processo contínuo de produção, favorecendo condições para a desintegração do ser humano em seus aspectos vitais. Temos como exemplo a própria relação com a natureza, com o outro, com a perspectiva da vida, o que gera uma série de doenças e psicoses por conta da atividade frenética estabelecida pelo círculo vicioso de obter-ganhar-consumir-ostentar status.

Diante da cidade, com todos os problemas que nos sãos conhecidos, a tarefa da pastoral é ser a ação do povo de Deus na cidade a fim de proporcionar libertação, tendo como seu sujeito a coletividade, ignorando credo religioso, condição social e instrução educacional.

A mensagem do Reino de Deus é integral, não paliativa.

Algumas constatações ajudam a entender esse distanciamento em relação a pastoral urbana. As igrejas evangélicas tendem a não fazer uma análise conjuntural da sua realidade; não visualiza os grandes problemas sociais que as cercam; não superam o conceito de “verdade” e “racionalidade”; perderam a leitura da Bíblia por causa da intermediação de doutrinas e de chaves hermenêuticas consideradas como verdades universais. Esses elementos inviabiliza um projeto de pastoral urbana.

A pastoral urbana se dá a partir do comprometimento com a sociedade, tornando-a parte dela, deixando de privatizar a fé para assumir os desafios prementes de uma cidade. Uma igreja que tem como novidade o Reino de Deus e todas as implicações disso, não pode olhar apenas para si mesma. A diversidade da manifestação do Reino de Deus exige a fomentação de uma pastoral urbana.

A missão da igreja, portanto, não pode se limitar a proclamar uma mensagem de “salvação da alma”: sua missão é fazer discípulos que aprendam a obedecer ao Senhor em todas as circunstâncias da vida diária, tanto no privado como no público [...]. A missão integral só é possível quando há discípulos que têm visão de conseguir a influência dos valores do Reino de Deus a todas as esferas da sociedade (2).

Viver na cidade e viabilizar a presença da igreja nela é um desafio. Entendendo seu contexto, apontando soluções pastorais. Ela pode concretizar ações em sua localidade e seu contexto.

Notas

(1) KOHL, Manfred W. & BARRO, Antônio Carlos. O papel do pastor na transformação da sociedade. In: KOHL, Manfred W. & BARRO, Antônio Carlos (Orgs.). Ministério pastoral transformador. Londrina: Descoberta, 2006, p. 105.

(2) REIS, Gildásio. C. René Padilla: introdução à sua vida, obra e teologia. São Paulo: Arte Editorial, 2011, p. 144.

21.6.16

VOZES QUE CLAMAM NO DESERTO: INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS SOBRE OS BATISTAS

Quando a denominação deixou de exercer um certo domínio na formação e divulgação de literatura, por razões diversas, mas sendo uma delas a extinção operacional da JUERP, os batistas no Brasil se viram diante de uma pluralidade em termos de informação e construção do seu pensamento. Houve quem discordasse com elegância da narrativa oficial dos primeiros batistas no Brasil, patrocinada pela Convenção Batista Brasileira e propagada pelo Pr. José Reis Pereira. Estamos falando de Betty Antunes de Oliveira e seu texto Centelha em restolho seco (São Paulo: Vida Nova, 2005). A hegemonia de uma narrativa oficial perdeu espaço quando vozes dissonantes se empenharam em des/construir narrativas obnubiladas pelo discurso hegemônico e centralizador, herança, em grande parte, dos missionários pioneiros que, naturalmente, trouxeram o evangelho, mas também sua cultura e ideologias.

Os textos que elencamos a seguir tem como principal objetivo contribuir para o diálogo entre os batistas. A proposta é trazer autores, desprovidos de reconhecimento denominacional, embora Zaqueu Moreira de Oliveira seja alguém com tal reconhecimento na denominação, mas a grande maioria não é, ou seja, não há um autor responsável pela narrativa oficial, portanto, não há pretensões de ser um texto definitivo. A grande maioria dos textos são frutos de pesquisas acadêmicas dos autores, o que, per si, ganha credibilidade por se tratar de pesquisadores. Assim, esses textos trazem contribuições para se pensar o modo de ser batista por vias alternativas. Lamentamos a ausência, ainda não publicada, da tese de doutorado do Pr. Alberto Kenji Yamabuchi que discutiu a questão de gênero na construção da história dos batistas no Brasil – O debate sobre a história das origens do trabalho batista no Brasil: uma análise das relações e dos conflitos de gênero e poder na Convenção Batista Brasileira dos anos 1960-1980. Tese de Doutorado. (Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo). São Bernardo do Campo: UMESP, 2009.

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Batistas: dominação e dependência

João Pedro Gonçalves Araújo procura entender a dominação que os primeiros missionários norte-americanos exerceram sob os batistas brasileiros. O autor analisa os conflitos e a resistência sob diferentes aspectos.

Do confronto ao diálogo: o estilo batista de ser e a questão ecumênica no Brasil

Nilo Tavares Silva coloca a discussão do ecumenismo entre os batistas brasileiros. Fruto de uma pesquisa acadêmica, o autor traça as dificuldades que os batistas encontram para tratar o ecumenismo.

Histórias, tradições e pensamentos batistas

João Pedro Gonçalves Araújo traz importantes contribuições para uma geografia dos batistas. Fazendo uma leitura atenta dos documentos e atas de igrejas batistas históricas, o autor traça o perfil, as dificuldades, os conflitos e as crises dos missionários e os primeiros batistas brasileiros.

Liberdade e exclusivismo: ensaios sobre os batistas ingleses

Zaqueu Moreira de Oliveira traz a gênese da tradição dos batistas ingleses. As principais questões levantadas pelos primeiros batistas como John Smyth e Thomas Helwys são trabalhadas pelo autor. Um livro importante para compreender a trajetória do movimento batista e suas principais lutas como liberdade religiosa e separação entre Igreja e Estado.

O discurso batista: considerações à luz da análise do discurso

Ierson Silva Batista aplica a análise de discurso aos princípios batistas. Nesse livro o autor procura entender as principais distinções entre doutrinas e princípios para os batistas.

O marco inicial batista: uma discussão historiográfica sobre os primórdios do trabalho batista no Brasil

Fruto de uma pesquisa acadêmica, Marcelo Santos investiga o surgimento dos batistas no Brasil. Olhando para Santa Bárbara D´Oeste/SP e Salvador/BA. Além disso, o autor busca compreender a ideologia dos primeiros missionários no Brasil.

Os batistas: controvérsias e vocação para a intolerância

Organizado pelos pastores Jorge Pinheiro & Marcelo Santos, o livro traz a contribuição de pastores e teólogos batistas em temas como história dos batistas, movimento carismático, questões de gênero e teologia com seu aspecto social. Um livro imprescindível para o pensamento batista.

Quatro frágeis liberdades: resgatando a identidade e os princípios batistas
O autor norte-americano, Walter B. Shurden, trata dos quatro importantes princípios para os batistas: a liberdade da Bíblia, a liberdade individual, a liberdade da igreja e a liberdade religiosa. Com maestria, o autor expõe os fundamentos desses princípios, acentuando a pluralidade que envolve a ação e a teologia dos batistas.