18.3.13

CRESCER PARA BAIXO – A LÓGICA DA COMUNIDADE DE MATEUS

Reflexão em Mateus 20,17-28

Tenho refletido com a comunidade a partir do evangelho de Mateus. Um texto riquíssimo que aborda a comunidade (igreja, Mt 16,18) que está por trás do evangelho. Quando se cria a noção de que o texto tem um sujeito (autor ou autores do evangelho) e um objeto (a comunidade de fé), a leitura tem um sentido surpreendente. É isso que procuro fazer a partir da mensagem expositiva.

Em nossa última reflexão tratei do capítulo 20,17-28. Texto que em Mateus ganha conotação comunitária, diferente de Marcos, por exemplo, em que o mesmo texto tem a função de ensinar os discípulos o caminho de Jesus, ou seja, a cruz.

Pensando em “crescimento espiritual” percebo certa confusão quanto ao sentido disso. Se dermos uma olhada panorâmica nos principais segmentos denominados de “evangélicos”, podemos perceber que cada um deles tem uma concepção própria do que seria “crescimento espiritual”.

Para os neo-pentecostais “crescimento espiritual” é sinônimo de bênçãos financeiras. Quando se obtém alguma benesse econômica significa que Deus está ajudando a crescer e isso é sinal de que ele (Deus) está prosperando e fazendo o negócio crescer. Já para os irmãos pentecostais a evidência de “crescimento espiritual” está ligada a posse do Espírito Santo. Quanto mais o irmão é “cheio” do Espírito Santo, ele tem “poder” e o falar em línguas dá legitimidade para ser visto pelos outros (irmãos da comunidade) como o “ungido” e detentor de certas credenciais espirituais. Tanto para um (os neo-pentecostais  quanto para o outro (os pentecostais), “crescimento espiritual” é baseado em algo subjetivo, individualista mesmo. Tanto a bênção financeira quanto a posse, e suas consequências, do Espírito Santo são interpretadas como “crescimento espiritual” e, não seria um contrassenso, sempre no sentido de ser para cima, nunca para baixo.

No caso do protestantismo “crescimento espiritual” é sinônimo de ativismo na igreja (lê-se templo e suas atividades, programas e organizações). Quanto mais atividade e envolvimento em alguma coisa da igreja, mais a sensação de que esta crescendo espiritualmente. Daí a cobrança para com aqueles que não frequentam os cultos e reuniões assiduamente tendo, como consequência desse policiamento, a concepção de que uma vez não presente significa que não vai bem espiritualmente. Com isso não estou dizendo que o ajuntamento para a celebração não seja importante, estou dizendo que quando o critério de santidade passa pela obrigação do estar junto ele perdeu o seu foco.

Bem, para a comunidade de Mateus a lógica do dito “crescimento espiritual” não é para cima, e sim para baixo. Não há relação de poder, ou seja, quando a vontade de alguém, ou de um determinado grupo, impõe sobre os outros. O que há na comunidade é uma relação servil. Para a comunidade de Mateus o caminho para ser “grande” – se é possível isso dentro da comunidade –, passa por baixo, ser servo. Servir é fazer algo em benefício do outro. É doar-se ao outro sem arrogância ou prepotência. Quem quiser ser importante (versão da NVI) deverá ser servo; quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo. Para Mateus crescer é para baixo e não para cima.

Se quisermos saber o quanto estamos crescendo espiritualmente, basta avaliarmos o quanto de servo estamos nos tornando.

3.3.13

DEVERIA SER ASSIM: O SERMÃO DO MONTE EM MATEUS

Já vimos que o Evangelho de Mateus, dentre os evangelhos sinóticos, é o mais judaico. Ele visa fazer uma releitura do Antigo Testamento colocando pontos comuns para a sua comunidade de fé. Daí essa semelhança, por exemplo, de Jesus com Moisés, onde o autor/es de Mateus faz um paralelo entre Jesus e o grande ícone do Antigo Testamento. Assim como Moisés vai para o Egito, Jesus também; assim como o Faraó mata recém-nascidos no Egito, Herodes faz o mesmo na Judéia; assim como Moisés sobe ao Monte Sinai e traz os Dez Mandamentos ao povo, Jesus sobe no monte e proclama as bem-aventuranças, e tem que ser dez também.         

Uma vez trabalhando com a comunidade de fé, Mateus, assim como o povo hebreu sob os cuidados de Moisés, quer fazer um tratado com a comunidade/igreja, por isso o “Sermão do Monte” é direcionado aos discípulos (Mt 5,1). Assim como Moisés tornou conhecido os Dez Mandamentos, Jesus, no monte, quer tornar conhecido aos seus discípulos o caminho da comunidade. São atitudes que os “membros” da comunidade deveriam ter em relação a Deus, aos outros e consigo mesmo. Em outras palavras, Mateus está dizendo: “deveria ser assim a comunidade”.

As palavras do Sermão do Monte precisam ser internalizadas. As palavras de Jesus não podem ser apenas lidas e observadas, precisam modificar nossa vida. Este é o desafio.

O Sermão do Monte não é um conjunto de preceitos éticos e morais; o texto não está falando de doutrina, regras ou coisa parecida. Jesus está dizendo: deveria ser assim. Quem agir assim é bem-aventurado, é feliz.

O Sermão do Monte é uma caminhada, um ideal a ser seguido, não é algo pronto, mas um processo. Quem conseguir trilhar este caminho é feliz. É bem-aventurado quem conseguir desenvolver a mansidão, porque a arrogância é mais fácil; é bem-aventurado quem conseguir ser misericordioso, porque o egoísmo é o natural; é bem-aventurado quem conseguir ser pacificador, porque fazer guerra é mais comum.

Mateus está dizendo: “deveria ser assim”. É um ideal a ser seguido, mesmo errando e acertando, mais caminhando.