17.10.08

A MARCA DO DISCIPULADO: O AMOR

Ando decepcionado com o atual cenário evangélico. Não gostaria de ser pessimista, mas não consigo. Essa geração esta marcando o seu tempo com um grau de mediocridade que chega doer os olhos. Modismos são inaugurados a todo o momento, parece mais loja de saldão em que o cliente fica na expectativa da próxima promoção.

Não há mais pastores, e sim apóstolos. Não ocorre mais culto, mas show da fé. A música esta cada vez mais comercial. Existem até mesmo olheiros para descobri novos talentos. As mensagens são de baixo conteúdo e os pregadores televisivos estão preocupados com a prosperidade. O comércio do Sagrado já não é nenhuma novidade. A busca incessante de alguns líderes por promoção pessoal em detrimento da glória de Deus já não assusta mais. Surge cada dia mais pessoas neuróticas vitimadas pela fé. Com isso estamos perdendo o referencial de quem é quem e de qual cristianismo pertencemos.

Olhamos o cenário da Igreja Evangélica e nos deparamos com as múltiplas facetas de um cristianismo que tem em Jesus Cristo seu baluarte. O referencial de ser cristão é variado. Para alguns os usos e costumes diz quem é ou não um cristão de verdade. A fé é medida pelo tamanho da saia e a abstinência de cosméticos; outros têm como referencial de cristianismo o pregador X, que arrasta multidões aonde vai com sua mensagem “poderosa”; ainda há o legalismo farisaico que toma como base o dever como postura cristã.

Quando tento definir o cristianismo simplesmente não posso eximir a figura surpreendente de Jesus. Aquilo que definiu a sua vida inteira é a essência do cristianismo: o amor. Muitos acham que ser discípulo de Jesus é conhecer doutrinas bíblicas, decorar versículos, ler a Bíblia mais de uma vez inteira. Esquecem que a marca inegociável do discipulado é o amor. Os discípulos dos escribas para serem bons, deveriam saber e repetir palavra por palavra do seu mestre. Já o discipulado com Jesus não tinha ascensão, era discípulo a vida inteira. A exigência para o discipulado não era intelectual e muito menos moral – haja vista os relacionamentos de Jesus com publicanos e prostitutas.

Ser cristão não é sinônimo de “entrar no céu”, “ser salvo”. Não quero aqui entrar em soteriologia, mas a salvação é um estado de relacionamento com Deus e seu alvo não é o depósito da alma no céu. Lembremos de Romanos 8, 29: “pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho”. O alvo da salvação antes de qualquer coisa é a semelhança com Jesus e o seu maior legado: o amor. Aliás a identificação dos discípulos de Jesus é esta: “com isto todos saberão que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros” (Jo 13,35).

Ser cristão passa por dois eixos: Jesus e o próximo. Não há como ter relacionamento com Deus sem o outro. Todo mundo gosta de João 3,16, mas poucos conhecem 1João 3,16: “nisto conhecemos o que é o amor: Jesus Cristo deu a sua vida por nós, e devemos dar a nossa vida por nossos irmãos”.

O amor deixou de ser a marca prioritária do cristianismo moderno. As bases são outras. Esta cada vez mais raro vermos comunidades onde impera o amor fraterno. Há sim as reuniões para a cura, o milagre financeiro.

Anelamos por um cristianismo que priorize gestos de bondade e amor e deixe a figura inconfundível de Jesus brilhar.

7.10.08

DEUS NÃO TEM TÍTULO DE ELEITOR

Quando chega esta época é a mesma coisa. Os políticos fazem suas alianças, combinam suas barganhas, prometem o impossível e compram alguns votos. No cenário evangélico chega a ser até mesmo bizarro algumas coisas. Os pretensos “eleitos do Senhor” usam o púlpito, transformando-o em palanque e com a conivência do líder, despeja um punhado de asneiras para convencer o povo de Deus de que ele e não outro é o “escolhido de Deus” para o cargo. Já vi este filme: sacos de cimento são “doados” tijolos comprados e latas de tinta adquiridas tudo em nome da “providência divina” que ouviu as orações da igreja.

O discurso é o mesmo: “irmão vota em irmão”; “Deus não nos colocou para sermos calda, mas cabeça”. Em alguns lugares há até mesmo “revelação” de Deus confirmando o candidato X. Em algumas igrejas o candidato leva a igreja de “porteira fechada” e aí daquele que não cumprir com os “propósitos de Deus”. Cidadania, direito de votar em quem quiser não existe.

Nas eleições municipais do Rio de Janeiro o Tribunal Regional Eleitoral recolheu exemplares do jornal Folha Universal (IURD) no dia das eleições (05/10) porque estava beneficiando o candidato a prefeito o senador Marcelo Crivella. Aliás, o senador visitou vários pontos da cidade do Rio de Janeiro fazendo boca de urna porque pretendia ir para o segundo turno de qualquer jeito. A Igreja Universal do Reino de Deus fez a sua parte, investiu pesado na divulgação do candidato além, é claro, de pedir votos abertamente em suas reuniões. Uma cidade nas mãos deles é o maior sonho de consumo.

Essa tendência de teocratizar o Estado não é de hoje. Calvino, por exemplo, pretendia estabelecer em Genebra um sistema totalitário onde pudesse controlar a vida dos cidadãos usando como pressuposto a Bíblia. Ele queria na verdade uma aristocracia dos eleitos, para isso queimou pessoas contrarias as suas pretensões. A perseguição religiosa promovida pela monarquia inglesa foi legitimada pela Igreja Anglicana, surgindo daí grupos contrários à união Igreja-Estado, dentre eles os batistas levantando a bandeira da separação entre Igreja e Estado no século XVII. Parece que em época de eleições o povo evangélico respira ares teocráticos. O candidato tem como legitimação a “vontade de Deus” e sendo assim Deus irá fazê-lo ganhar. Não é democracia onde o povo elege seus representantes pelo seu plano de governo e biografia pública, mas é teocracia, Deus movendo os eleitores para eleger o irmão que é “servo do Senhor”.

Conversando com um colega sobre isso, ele dizia que Deus não tem título de eleitor e muito menos preferência partidária. É preciso entender que a história é conduzida pelo Homem e suas decisões têm conseqüências. Não foi Deus quem colocou Hitler no poder que por sua vez dizimou milhares de judeus; não é Deus o responsável pela gestão desastrosa do Bush; não foi Deus quem elegeu Collor que por sua vez surrupiou a poupança dos brasileiros.

Ser evangélico não credencia ninguém a cargo político. Ser cidadão comprometido com a justiça e o bem comum do povo sim.

1.10.08

O JUGO DE JESUS

A observação da Lei no tempo de Jesus pelos fariseus era absoluta. Havia, até mesmo, em alguns círculos teológicos, a compreensão de que o próprio Deus nos céus se ocupava por algumas horas por dia no estudo da Lei. Essa obsessão pelo cumprimento da Lei levava os fariseus a fiscalizar e oprimir as pessoas com suas diversas prescrições legais.

O autor do Evangelho de Mateus irá ser taxativo em denunciar a postura dos fariseus. No capítulo 23, o mais denso contra os fariseus, o autor descreve a dimensão do jugo sobre os outros: “amarram fardos pesados e põem nas costas dos outros, mas eles mesmos não os ajudam, nem ao menos com um dedo, a carregar esses fardos” (Mt 23,4 NTLH).

Os embates de Jesus com os fariseus serão em torno da interpretação da Lei. A postura hermenêutica de Jesus contrariava padrões e desconsidera tradições. O homem não era para o sábado, mas o sábado para o homem; a impureza não estava em lavar ou não as mãos para comer, mas dentro do homem, de onde brota toda a maldade; não é a Lei que salva, mas é o amor. Com essas interpretações “heréticas”, Jesus é acusado de blasfemo. Era um novo jugo que Jesus convidava a carregar. Não aquele da opressão, mas da leveza.

“Venham a mim, todos vocês que estão cansados de carregar as suas pesadas cargas, e eu lhes darei descanso. Sejam meus seguidores e aprendam de mim porque sou bondoso e tenho um coração humilde; e vocês encontrarão descanso. Os deveres que exijo de vocês são fáceis, e a carga que ponho sobre vocês é leve” (Mt 11,28-30 NTLH). Com este texto, que só se encontra em Mateus, o autor esta dizendo que sua comunidade, que também era judaica, é um lugar de descanso, suavidade e conforto.

É interessante observar que este texto é usado para “evangelizar”. Quando alguém se “converte” a uma igreja é logo lhe colocado um jugo. Tira o “jugo do pecado” e coloca-se outro. Em alguns lugares o jugo é: não poder ver televisão; mulheres não cortam o cabelo, não usa cosmético, não veste calça; crente não joga futebol; não vai à praia. A vida cristã é mais legalidades que espiritualidade.

Confundi-se Evangelho com Cultura. Só para constar: os missionários do Norte chegaram aqui e não viam problema nenhum no tabagismo, aliás, a obra missionária era sustentada com a indústria do tabaco. Para acentuar a ética do diferente, marcada pelo anticatolicismo, estabeleceu-se a regra de que crente não bebe e não fuma. O que dizer dos cristãos na Itália que bebem seu vinho no almoço e na janta? E os alemães com sua cerveja? Os africanos e suas danças? Alguns ainda irão dizer que isso é totalmente errado e “pecado”.

O jugo não deixa ver o Evangelho, apenas as regras. É sempre mais fácil estipular regras e proibições porque a liberdade de consciência assusta. Além do mais o legalismo dá um ar de santidade e do viver correto e funciona como termômetro da “verdadeira espiritualidade”.

O jugo de Jesus é o amor, o perdão e o abraço de irmão. Para alguns esse jugo é mais pesado que dos fariseus. Foi o que Paulo tratou em Gálatas e o caso com os judaizantes. O único jugo de toda a Lei é o amor (5,13) e o único jugo de Jesus é o amor.